Diário de Campo: 05
de março de 2017.
A data da Pesquisa de Campo em
Cachoeira se aproxima, mas antes de fazer algumas considerações sobre a
Irmandade da Boa Morte, pensei em relatar um pouco sobre a metodologia e as
formas de abordagem do tema. Por se tratar de um objeto tão subjetivo quanto a
perspectiva da Morte em dois grupos sociais tão distintos e profundamente significativos
como o Cinzento e a Irmandade, me cerquei de algumas referências importantes.
Para o projeto sigo orientações de vários autores que se
dedicam ao trabalho com fontes de História Oral, uma vez que esta abordagem permite
construir um discurso de interpretação histórica mais completo, incorporando
novos sujeitos, ampliando as possibilidades de pesquisa para além das
tradicionais fontes escritas. Metodologicamente, se alicerça num conjunto de
referências estruturadas a partir de entrevistas que compõem o marco de
trabalho para a interpretação dos imaginários da Morte, dos seus rituais e das
questões de comportamento, visões de mundo e práticas que os contornam.
Segundo Philippe Joutard, o maior mérito
da história oral "é dar voz àqueles que normalmente não a têm: os
esquecidos, os excluídos ou, retomando a bela expressão de um pioneiro da
história oral, Nuno Revelli, os 'derrotados'", e principalmente ter aberta
a visão de que cada indivíduo é ator da história, que fornece outras
perspectivas interpretativas de mundo, porque “tudo o que é humano é nosso, e é
preciso fazer recuar as fronteiras" (JOUTARD, 2000, p. 33). Essa
preocupação, nos termos dessa pesquisa, é fundamental, por tratar da
perspectiva de uma comunidade quilombola, cujas tradições são, comumente, alvo
de preconceito, e para o qual, como diria, Gayatri Spivak (2010), é
necessário perguntar se, de fato, pode o subalterno falar.
A principal categoria abordada durante o processo – e que
permeia todo o projeto – é a memória. Como pesquisador, tomo a(s) memória(s)
dos entrevistados alicerçadas em duas características: a primeira, como um
processo seletivo, compreendendo que a memória
que um grupo constrói está intimamente ligada com as suas vivências e o próprio
grupo seleciona o que julga digno de comemoração/ monumentos ou não, ou lugares
de memória, conceito de Pierre Nora. E, portanto, nem tudo fica gravado,
registrado. O que se esquece ou o que se lembra é reforçado pela noção de
pertencimento afetivo ao grupo, gerando um sentimento de continuidade, fazendo
com que, coletivamente, a memória permaneça. Em segundo lugar, o entendimento
de que a memória é construção. A
memória individual tem, portanto, suportes muito presentes do seu grupo social.
Essa memória é uma constante reconstrução do passado e é composta, segundo
Pollak (1989), de acontecimentos, personagens e lugares, a interação
dessas memórias individuais e coletivas ganham destaque nesta mesma
coletividade, incorporando-se as narrativas que compõe a identidade do grupo.
Portanto, nesta etapa, cabe aos procedimentos da pesquisa, tentar
alcançar por meio de registros de aúdio e de imagens, um recorte temático sobre
a perspectiva da morte entre membros da Irmandade da Boa Morte e comunidade
quilombola do Cinzento, levando em consideração as respectivas particularidades,
bem como me respaldar em bibliografias pertinentes, e entrevistar também
pessoas que estudam os dois grupos, têm contato próximo, para que, à medida que
a pesquisa avance, seja possível aprofundar o estudo.